Ser não a uma alma de dois reis, mas as duas ao mesmo tempo
Escrevi este livro com dezanove anos, algures durante o quarto semestre da minha licenciatura. Agora, passados quatro anos, decidi publicar o livro, depois de dar uma nova leitura, com algumas alterações aqui e ali. Inicialmente pensei em intitular o livro de "Tropeça e Cai", outros títulos ocorreram-me, porém, o que acabou por ficar foi este: "Ser não a uma alma de dois reis, mas as duas ao mesmo tempo".
O título é uma referência a Fernando Pessoa que eu acho que não é óbvia. É retirado do meu trecho favorito do livro do Desassossego:
Enrolar o mundo à volta
dos nossos dedos, como um fio ou uma fita com que brinque uma mulher que sonha
à janela.
Resume-se tudo enfim em
procurar sentir o tédio de modo que ele não doa.
Seria interessante poder
ser dois reis ao mesmo tempo: ser não a uma alma de eles dois, mas as duas
almas.
Livro do Desassossego
Composto por Bernardo Soares, ajudante de
Guarda-Livros, na cidade de Lisboa
Semi-Heterónimo de Fernando Pessoa
Foi aos dezassete anos que li esse livro, ainda hoje considero esse como o meu trecho favorito. Este detalhe dos dezassete anos parece supérfluo, mas foi com essa idade, depois de ler esse trecho, que eu comecei a imaginar como poderia ser escrita uma história entre duas pessoas que conseguissem entrar na mente uma da outra. A minha grande questão, do ponto de vista de estrutura literária, era a de como estruturar um diálogo entre duas personagens: Normalmente, duas personagens pensam (o que se passa direta ou indiretamente para o texto)e depois falam, o que é revelado através do diálogo. Portanto, há um conjunto de momentos implícitos entre duas (ou mais) personagens: Penso, digo, penso no que foi dito, respondo. Ou seja, há um filtro entre o que se pensa e o que se diz. A minha questão em concreto era como escrever, na prática, uma relação entre duas personagens onde este filtro é extinto, porque partilham o pensamento - Uma personagem pensa em algo, mas ao mesmo tempo que está a pensar, a outra personagem também está a pensar em algo, não há um desfasamento e antes de falar o que pensa, a outra já sabe o que ela vai dizer. Por outro lado, a personagem que pensa no que vai dizer, não tem de esperar pela resposta da outra, porque tem acesso ao seu pensamento, onde a reação ao que é dito é imediata. Sempre assim.
Só me senti capaz de escrever uma história nestes moldes passados uns anos. E admito que, entre todos os meus livros, este foi dos mais intensos de escrever, na altura estava interessado em metáforas relacionadas com espiritualidade, digo metáforas e não em sentidos religiosos. No sentido da imaterialidade dos sonhos.
Quando pensei em que personagens colocar a partilhar o pensamento uma da outra, pensei que o mais interessante seriam sonhadores. Não no sentido de quem sonha o possível (ou seja, não no sentido de quem tem ambições), mas no sentido de quem sonha o impossível, por entretenimento. De novo, influência de Fernando Pessoa. Quem usa o sonho do impossível (no fundo, a imaginação criativa) é quem vive o tédio do mundo real.
Assim, duas ideias fundamentais neste livro, uma é o sonho enquanto escapatório do mundo real (que é um tédio e onde as ambições são um ciclo vazio - de certa forma, recusa do mundo material enquanto ilusório), por outro lado, o elemento de fantasia que é dois estranhos entrarem na mente um do outro. Esse mecanismo é usado para explorar o mundo imaterial de ambos, não só o pensamento, mas também o corpo, os sentimentos, enfim, a totalidade humana de um e de outro.
O sentido de alma não é religioso ou fantástico, é metafórico, é a síntese de todo o que uma pessoa é - pensamento, sentimento, corpo etc etc.
As duas personagens são Martim Narciso e Filipe Edelweisse. Um livro focado nos pequenos momentos e nos sonhos impossíveis, numa espiral de progressiva loucura.
Francisco Pascoal
10 de Abril de 2020
O livro está disponível para venda aqui.
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